sábado, 18 de dezembro de 2010

Considerações filosóficas na casa do carvalho

A esta hora eu deveria estar fazendo uma prova lá na Asa Norte... — É uma pena que o vestibular agendado na primavera só ocorra em dezembro. A hora de fazer a prova é sempre época de chuva — de tempestade, na verdade. Na outra tentativa vã de cursar Filosofia, pelo menos fiquei com o Milton Hatoum, e com a poltrona que até hoje me serve, embora cada vez com menos frequência. Acho que vou trazê-la aqui para o quarto, que pelo menos dispõe de luz elétrica; e talvez eu anime prosseguir com o Kafka, que fique de trofeu às avessas por mais um vestibular não comparecido...

Hoje estou novamente num estado infernal. Talvez não seja possível medir a intensidade de um momento como este, que talvez bem se caracterize justamente pelo prejuízo dos instrumentos de medição. De certa forma, para dizer eufemisticamente, me trás certo alívio a aguardente barata curtida em carvalho que me acompanha, pela graça do Seu Paulo; minha preferida desde que me mudei para a Ceilândia. Não devo ter levado muitos dias para esgotar a primeira garrafa de Oitenta e Oito, que conheci quase cheia na casa do tio Domingos há quase um ano e meio. Daí em diante, cachaça só no carvalho; e cachaça barata, só a Oitenta e Oito. Estou bebendo agora com mera finalidade medicinal; muito menos por conta da garganta — embora ainda também por isso — que por conta do espírito. By the way, se tivesse aqui em casa um único espécime de Lexotan 24 mg, estava se desfazendo em meu estômago agora mesmo, regado a cachaça de carvalho...

Claro, fica muito mais fácil falar depois que a gente consegue pensar além do imediato. Estou há cerca de catorze horas ininterruptas tentando em vão fugir dos chicotes do capeta — ou dos uivos do lobo mau —, que insistem em me assolar. Estou cansado de tentar fugir — e, de repente, se eu tivesse como, até insistia; mas nada do que eu faça me afasta do problema. Estou tão claustrofobicamente enclausurado em energias demoníacas que não tenho espaço sequer para me sentir sozinho. Não sei até que ponto a cachaça ajudou (certamente, todo o recente alívio é obra dela), mas agora estou muito mais disposto a encarar essa realidade de sofrimento, tão inevitável quanto a vida e a morte, e tão dopável quanto cabeça de Alexsandro.

(...)

Às vezes parece que essas divagações mesmas sejam um tipo de fuga, mas acho que não são. Talvez seja desse tipo a única abordagem possível para problemas de tal magnitude. Se eu pensar racionalmente, chego a diversas conclusões, que não me convencem nem satisfazem. Quando o problema é acreditar, saber nem sempre ajuda. Estou num conflito emocional completamente sem precedentes, embora muito ciente de que tal ilusão deva ser reflexo da minha amnésia em relação às outras crises. Não me lembro senão vagamente do que senti no dia que se seguiu à viagem com a Fernanda. De novo, apenas imagino que amanhã lamentarei por mais este fim-de-semana desperdiçado, pois já deu pra antecipar que a segunda-feira me chegará lentamente, mas muito mais cedo que o que devia.

(...)

Noutras ocasiões, de confusões mais sólidas e menos densas, havia algumas técnicas que ajudavam. Eu me lembro bem do alívio que já me causou a ideia de suicídio. Era bem simples: se eu quisesse, podia me matar; e, então, ao pensar nisso, a vida imediatamente voltava a ser bonita. Essa técnica parece estar enferrujando, certamente por efeito da adaptação crônica. Talvez eu já não leve a sério a ideia do suicídio agudo...

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