sábado, 18 de dezembro de 2010

Arrebentado

Mi Amas Vin




Considerações filosóficas na casa do carvalho

A esta hora eu deveria estar fazendo uma prova lá na Asa Norte... — É uma pena que o vestibular agendado na primavera só ocorra em dezembro. A hora de fazer a prova é sempre época de chuva — de tempestade, na verdade. Na outra tentativa vã de cursar Filosofia, pelo menos fiquei com o Milton Hatoum, e com a poltrona que até hoje me serve, embora cada vez com menos frequência. Acho que vou trazê-la aqui para o quarto, que pelo menos dispõe de luz elétrica; e talvez eu anime prosseguir com o Kafka, que fique de trofeu às avessas por mais um vestibular não comparecido...

Hoje estou novamente num estado infernal. Talvez não seja possível medir a intensidade de um momento como este, que talvez bem se caracterize justamente pelo prejuízo dos instrumentos de medição. De certa forma, para dizer eufemisticamente, me trás certo alívio a aguardente barata curtida em carvalho que me acompanha, pela graça do Seu Paulo; minha preferida desde que me mudei para a Ceilândia. Não devo ter levado muitos dias para esgotar a primeira garrafa de Oitenta e Oito, que conheci quase cheia na casa do tio Domingos há quase um ano e meio. Daí em diante, cachaça só no carvalho; e cachaça barata, só a Oitenta e Oito. Estou bebendo agora com mera finalidade medicinal; muito menos por conta da garganta — embora ainda também por isso — que por conta do espírito. By the way, se tivesse aqui em casa um único espécime de Lexotan 24 mg, estava se desfazendo em meu estômago agora mesmo, regado a cachaça de carvalho...

Claro, fica muito mais fácil falar depois que a gente consegue pensar além do imediato. Estou há cerca de catorze horas ininterruptas tentando em vão fugir dos chicotes do capeta — ou dos uivos do lobo mau —, que insistem em me assolar. Estou cansado de tentar fugir — e, de repente, se eu tivesse como, até insistia; mas nada do que eu faça me afasta do problema. Estou tão claustrofobicamente enclausurado em energias demoníacas que não tenho espaço sequer para me sentir sozinho. Não sei até que ponto a cachaça ajudou (certamente, todo o recente alívio é obra dela), mas agora estou muito mais disposto a encarar essa realidade de sofrimento, tão inevitável quanto a vida e a morte, e tão dopável quanto cabeça de Alexsandro.

(...)

Às vezes parece que essas divagações mesmas sejam um tipo de fuga, mas acho que não são. Talvez seja desse tipo a única abordagem possível para problemas de tal magnitude. Se eu pensar racionalmente, chego a diversas conclusões, que não me convencem nem satisfazem. Quando o problema é acreditar, saber nem sempre ajuda. Estou num conflito emocional completamente sem precedentes, embora muito ciente de que tal ilusão deva ser reflexo da minha amnésia em relação às outras crises. Não me lembro senão vagamente do que senti no dia que se seguiu à viagem com a Fernanda. De novo, apenas imagino que amanhã lamentarei por mais este fim-de-semana desperdiçado, pois já deu pra antecipar que a segunda-feira me chegará lentamente, mas muito mais cedo que o que devia.

(...)

Noutras ocasiões, de confusões mais sólidas e menos densas, havia algumas técnicas que ajudavam. Eu me lembro bem do alívio que já me causou a ideia de suicídio. Era bem simples: se eu quisesse, podia me matar; e, então, ao pensar nisso, a vida imediatamente voltava a ser bonita. Essa técnica parece estar enferrujando, certamente por efeito da adaptação crônica. Talvez eu já não leve a sério a ideia do suicídio agudo...

Enfim, o cachorro do metrô...

Hoje realizei um pequeno sonho, meio que de boca arreganhada, com um quê de Raul Seixas. Tudo a ver com o cachorro hipotético do metrô, de que comecei a contar noutro post. É algo sinistro, mas vou tentar contar agora, na esperança de que assim eu tenha alguma condição de conseguir dormir de novo algum dia.

Desde há muito tempo, sonho em um dia encontrar um cachorro bravo, não muito grande nem tão forte (por favor!), e que, muito especialmente, deseje me atacar enquanto eu passe por uma rua qualquer. Se nesse dia Zeus estiver em favor da satisfação da minha fantasia, estarei calçando um Nike pontudo, ou botas, ou qualquer outro calçado fechado, como costumo estar desde que a tal figura me amadureceu. Então estarei pronto para despejar sobre ele um tanto de uma fúria há séculos guardada. Nesse dia — que me perdoe a Emília! — talvez eu mate um cachorrinho...

Se é que isso um dia ocorrerá, não tenho certeza de como reagirei ao ataque. Creio que os cães sejam bichos razoáveis, e que, por isso mesmo, dificilmente um cachorro pequeno e lúcido atacaria uma pessoa violenta como eu. Talvez aqueles poodles da vizinha fossem cães covardes, que atacassem apenas adolecentezinhos magricelas e indefesos que estivessem azarando a filha da dona. Talvez fosse porque eu estava de bicicleta e de chinelos, incapaz de dar coices, a quinze minutos de nadar na piscina funda do SESI Minas pela primeira vez. Talvez, desde então, meu "cachorro ideal" seja um poodle louco ou ciumento, que eu possa chutar com capricho, bem no espaço entre a garganta e os pulmões, em algum momento em que Lidiane não esteja olhando. Talvez eu chutasse uma vez só (o que deveria ser "com louvor" de suficiente); ou talvez — como no sonho de Norman Mailer — eu só parasse de chutar quando a cãibra ou a polícia entrassem na estória...

(...)

Por fim, hoje cedo apareceu um tipo diferente de cachorro, que terminou sendo muito diferente do esperado. Se bem que não esperei tanta coisa assim; mas talvez tenha pensado num momento mais confortavelmente oportuno (que bem poderia nunca ocorrer) para que aparecesse esse cachorro em especial. E não é que o filho da puta me perseguiu até o final da noite, e permanece até agora latindo aqui, junto à janela do quarto, direto no meu ouvido?!... — O pior é que, de algum jeito, ou é cachorro grande, ou sou novamente um pré-adolescente magricela calçando Rider sobre pedais. Deu, afinal, tudo errado. Nem mirei a garganta do desgraçado, e, se ele quisesse, me fazia mais que aqueles cinco pontinhos no pronto-socorro. Por fim, como ultimamente tenho aprendido a me arrepender, só me resta agora pedir desculpas àqueles poodles alegres de quase vinte anos atrás. Talvez quando eu conseguir, com minhas preces, livrar os doces cãezinhos do inferno a que os lancei, eles venham aqui piedosos, e me tirem da janela esse lobo de jaqueta e All Stars, essa besta que parece pretender me atormentar até à insônia — ou à insanidade...

December Crisis

Às vezes parece que sou burro. Claro, devo mesmo ser um tanto, mas às vezes parece também a mim, que estou acostumado a não me conceber dessa forma. Às vezes desconfio da capacidade humana de aprender, ou, blasfêmia infinitamente maior, às vezes desconfio dolorosamente da minha própria capacidade de evoluir. Parece que todos os meus passos são curtos ou tortuosos demais...

Ao que tenho notado, tenho desperdiçado grandes oportunidades na vida. Parece que sou lerdo; que deixo as coisas passarem... Lamento que as soluções me apareçam tão óbvias depois de as oportunidades terem passado. Certamente, a expectativa é uma “faca de dois legumes”, “a luz anal de um vagalume que ilumina o meu sofrer”, e que, se por um lado me dá alguma segurança, pelo outro fornece munição aos meus erros mais lamentáveis.

As grandes oportunidades passam por mim, que observo atônito, como mero expectador de minha própria vida. É que — talvez noutra explicação simplista — não estou acostumado a reconhecer oportunidades em meio às dificuldades. No máximo, acostumo-me a adotar um padrão mais ou menos razoável, que me torna nalgo como um orador estúpido e vazio, que entretém, quando muito, alguns ignorantes mais ou menos capazes de digitar alguma coisa na urna eletrônica. Às vezes me sinto desprezível a tal ponto que o Tiririca parece um Buda.

Isso, ao que suponho, tem tudo a ver com a Ex-Primeira Dama, de três anos atrás. — Tadinha!... ela certamente nunca notará minhas cicatrizes daquela tal festa de fim-de-ano... Eu me lembro também que talvez justamente por estar sem toda essa carga de responsabilidade, eu podia naquela época (apenas três anos atrás!) torrar numa breve noite dois maços de Hollywood vermelho, sem sentir cócegas em meu sistema respiratório... Tudo desde então ficou pesado demais, como se eu tivesse aprendido a predispor minha alma à podridão, de um jeito ao qual meu corpo, como todo bom espécime, acabou por se sujeitar. Estou fraco, à imagem de minha alma, terrivelmente cansado de minha falsidade; cansado da mesma mentira que me ensinou a viver a então Primeira Dama, à sua própria revelia, naquela fatídica e riquíssima festa de fim-de-ano...

Agora, ao que parece, adoeço com muito mais facilidade. Meu lado honesto, não obstante, alerta que isso é uma falácia, pois me lembro de estar doente mais ou menos pelos mesmos motivos desde os primórdios de minhas aventuras belo-horizontinas. Não costumo tolerar bem a privação de sono, nem a má alimentação, nem o excesso de cigarro. Isso, ao que parece, é desde sempre, embora, apesar da sabedoria que a idade deveria dar, talvez tenha se tornado hoje mais fácil repetir todos esses equívocos, sempre mais e mais eficientemente. Sou mesmo um cara idiota, incapaz de aprender com os erros; incapaz de valorizar alguns acertos simples, que não por isso deveriam deixar de serem valiosos.

(...)

Estou com sérias dúvidas sobre o que fazer. Os últimos dias me mostraram que meu corpo impõe um limite mais rigoroso que o que me disponho a aceitar. Parece que não adianta muito insistir, pois não tardam os sinais do cansaço. Preciso de férias; de férias longas; talvez como o Bilbo, quando decidiu deixar Bolsão, e talvez da mesma forma ou pelo mesmo motivo. Estou me sentindo verdadeiramente velho. Já não me orgulho por ter o passo mais rápido, pois já não o tenho — exceto talvez saindo da estação do metrô —; agora peço aos meus acompanhantes que andem mais devagar, de forma que eu possa acompanhá-los. Talvez porque eu esteja doente; talvez porque eu tenha estado doente; talvez porque eu agora seja doente, carente da capacidade de ser sincero com aqueles a que quero bem — e que, a despeito de todas as minhas atitudes, insistem em só me fazerem o bem, mesmo durante uma fria crise de dezembro.

Post Scriptum

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Tá, certamente não foi o dia mais agradável do ano, mas pode ter sido o mais rico. Nesse sentido, pode mesmo ter sido o melhor. Sem qualquer dúvida, um dia digno de dezembro...

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Spring Yard Zone One

Brasília está ficando pra trás. Curiosamente, o deserto de asfalto está ficando normal. Já há muito tempo me acostumei com o trânsito desta cidade, a tal ponto que todos os outros me são estranhos. Na verdade, sinto que, em meio às vias, sou mais orgulhosamente brasiliense que o que quer que seja. Claro, dificilmente me admitirei como “brasiliense”, já que tal adjetivo — não sem algum carinho — talvez nunca me deixe de ser pejorativo. Ser "brasiliense" é ser mau; é ser servidor público; é ser mesquinho, idiota, medíocre e brasiliense, como todo brasiliense tende a ser. Se um dia eu te chamar de “brasiliense”, não leve a mal, pois devo estar em um mau momento. Não costumo ser tão rude, em especial com quem se digne a ler este blogue... (Mentira, pois costuma ocorrer o inverso!...)

Enfim, metrô não foi feito pra mim. Sinto isso também já há bastante tempo. Nunca me senti bem num metrô, exceto, talvez, em certo período de específica intrepidez, do qual não cheguei a tratar neste blog. Por fim, hoje estou em meu estado normal, por isso não gosto de metrô. Mas hoje ocorreu algo estranho nesse trem.

Como bem sabem os que me conhecem brasiliense, quando terrivelmente pego o metrô, entro numa extremidade e largo na outra... (...)

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Bem, enquanto escrevia este texto, sofri uma interrupção agradável. Sabe, às vezes a gente erra por exagerar, e, numa espécie de pedido de perdão, eu diria: “às vezes nos pedem algo e, em troca, pedimos mais.” É como poderia ser explicada a interrupção que se sucedeu. Enfim...

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Bem, em vão tentando retomar a linha anterior depois da já mencionada interrupção, esclareço que desde o princípio desta postagem eu pensava em dizer algo sobre cachorros. Eu sempre quis ter um labrador, apesar de nunca ter visto um; salvo talvez (apenas talvez) um caso isolado em Goiânia, quando quis comprar um cachorro, um magnífico filhote de labrador; quando afinal terminei levando pra casa uma calada viola caipira. Ainda bem que trouxe a Goiana, pois ela parece suportar bem melhor o meu desdém. Na melhor das hipóteses, apesar de meu descaso, ela não fuja de mim, como notei ter fugido o Bandolim, na tão adiada ocasião em que fui buscá-lo em vão em Montes Claros, há algumas semanas...

Enfim, mais que sobre o cachorro, eu pretendia dizer algo sobre a coragem. Mas, felizmente, algo melhor me sucedeu (algo a ver com a interrupção), e já nada mais me faz sentido dizer do que planejei dizer entre a estação e aqui. Agora apenas espero, com certo sentimento de urgência. E, se, sinceramente, posso dizer mais alguma coisa sobre hoje, é que, à parte todo o meu egoísmo, este parece ter sido o meu melhor dia do ano.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Até mais, primavera!...

Enfim, não é de hoje que sinto que sou um cara sazonal. Já há muito observei que o começo da primavera costuma ser maravilhoso, mas ao seu término, as coisas endurecem visivelmente. É como se no começo do verão eu tivesse que me desapegar da doce mãe primavera, por meio de uma fase de maremotos e montanhas ásperas. Talvez essa impressão remonte ao final da época de escola, quando o fim de ano me obrigava a querer correr atrás do prejuízo, na “recuperação” do ano letivo. Talvez não...

É curioso como certas coisas me ocorrem notoriamente em setembro, e como certas outras, meio que opostas, me ocorrem muito mais facilmente em dezembro. O fim-de-ano é para mim tipicamente um marco de abandono e solidão; é a época do ano que o maestro do mundo escolheu para me deixar só. Talvez seja por isso que eu não me interesse grandemente pelas festas de fim-de-ano; afinal, quando não estou bem nada me parece bom. Coincidência ou não, muito mais coisas belas me ocorreram no limiar ou no princípio da primavera, enquanto a maior parte das minhas catástrofes me ocorreu muito próximo ou durante o verão.

Claro, não estou tentando insinuar que o que se passa comigo hoje seja "catastrófico". Até estou bem (e quase estou sendo sincero); apenas estou um tanto doente e um pouco só. Doente ou não, estou tentando entender essa melancolia, que me ocorre tão frequentemente nesta época do ano. A experiência me ensinou que esse período, que acaba de iniciar, funciona em minha vida como uma espécie de purgante, que me ajuda a eliminar as coisas nocivas, das quais costumo depender infantilmente. Neste período afasto de mim aquilo que me faz mal, dentre os agentes externos; talvez porque já haja mal suficiente dentro de mim. Nesta época é que, em geral, mais amadureço e mais duramente me decepciono; é quando me surgem as feridas que pelo resto da vida me acompanham como cicatrizes. Esta época é singular.

(...)

Enfim, talvez o mapa astral possa explicar também algo a esse respeito. Então, de repente, tudo passa a ser culpa de Saturno ou de Andrômeda — ou, muito mais provavelmente, talvez minhas catástrofes surjam de algum tipo de desarranjo entre os Cybercops e os Cavaleiros do Zodíaco...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Notas extemporâneas de quinta-feira

Certo dia reencontrei no livro que tenho lido algo sobre um interessante provérbio de alguma tribo de surfistas americanos, mais ou menos assim: “É muito bom bater a cabeça na parede, pois é melhor ainda quando a gente pára.

Naquele dia havia tido uma tarde um tanto a calhar. Passei horas torturantes por conta de algumas coisas do trabalho, que, para meu desespero, pouco dependiam de mim. Mas, desta vez mesmo pra variar, tudo deu certo ao final; o alívio se confirmou no dia seguinte, revigorante. Minha alegria com o happy end foi imensamente maior que o suplício, talvez por reflexo de um estado de espírito mais profundo, então em seu melhor ponto desde o começo da semana. Nesse dia começava, afinal, a fazer as pazes Fernandinha, que vinha sendo maltratada por um sentimento que hoje beira o tédio. A chuva do caminho de volta só me incomodou levemente, e, sem tanto esforço, quase apenas por conta da perda de visibilidade. Na ocasião também girei o acelerador até o final em quase todo o percurso, mas já não fiz manobras tão audaciosas assim. Estava, afinal, mais pacato, tranquilo e temente à morte. Até parecia ser sinal de boas novas...

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Pequena Mag

Hoje me apaixonei novamente. Conheci uma garota linda e enigmática, cheia de alguma distante experiência. Meio jovem, meio antiga; quilômetros mais profunda que aquilo a que estou acostumado. Uma guerreira de outros tempos; cheia de vida; pequena professora de dança.

Nem precisava dizer que é uma criança de belos olhos, grandes e brilhantes; do tipo que veio a trabalho, como um pesquisador de certos traços da vida. Vi hoje mais cedo algo sobre quando apenas brincava de erguer a cabeça; depois desta noite, não tenho dúvidas de que não será nesta vida que a baixará. Evidentemente, é filha de um grande homem com uma grande mulher, que souberam fazê-la florescer com seus grandes amores. Por vezes a mãe me parece mais frágil — e talvez toda mãe o seja —, e, por estranho que me pareça, não parece ter muito mais o que ensinar. A pequena Magnólia já sabe tudo de que precisa. Ela sabe o que quer. E não tenho dúvida de que terá.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

EPTG

Uns seis anos atrás, estava eu lá na fatídica casa do Sr. Moko-Sotustra. Dentro do possível, imitando o velho estilo Moko-Sotústrico daquele tempo, eu poderia dizer algo como o seguinte:

— Lá pelas tantas, Leksotustra solta uma das suas: “Pô, já acabou o cigarro?... Então me dê aí um remédio qualquer, nem que seja um café bem forte, que estou precisando de alguma droga..."

É mais ou menos como me sinto neste momento. A noite acaba, e fico aqui com toda a energia do mundo, sem querer pensar que, depois de um momento tão feliz quanto breve, amanhã tudo volta ao normal. Aquele “mapa astral” da lua também me contou alguma coisa a respeito desse sentimento, mas me esqueci do quê antes de começar a escrever esta frase. Lembrei depois, mas agora fica claro que as palavras, ainda que precisas, não denotam tanto quanto o sentimento, indescritível.

Bem, afinal, noto que já começo a fazer alguns planos. As ideias já se estabilizam, meio que à revelia. Noto que tenho medo agora de muita coisa, certamente porque ainda não admito que sei do quê. Eu sei o que me aflige. No fundo, o medo ainda é um só; o problema mesmo permanece um só. Tenho medo de reconceber aquelas coisas profundas, mas, também um tanto à revelia, vou fatalmente recomeçando a aprofundar.

(...)

Depois de chegar em casa de novo milagrosamente são e salvo, fico pensando sobre a que se deve minha paixão pela velocidade. O poeta me disse certa vez que era pelo desejo de morrer; “punção de morte”, se não me engano. Mas conheci outros freudianos que me soavam mais verossímeis: um deles era a Fernanda Mara, que nos deixou há algum tempo; outro é o Gabriel, que, dentre todos, me parece o mais razoável. A Fernanda, claro, era mais verossímil, com seu discurso racionalmente apaixonado, límpido e profundo. O Gabriel mostra ter mais dúvidas (com o que me identifico bastante). O poeta é do tipo que me parece ter certeza demais. Nenhuma das explicações é aceitável.

Com certeza, Freud não explicou tudo, nem soube fazer soar satisfatoriamente tudo que explicou. Não obstante, Freud era outro apaixonado, e por isso tem seu mérito inquestionável. Lembro-me também bastante do Luís, que apreciava Vygotsky em detrimento de Piaget. Claro, sou sempre muito mais Piaget — é que tenho medo de decepções —, mas recebi melhor o russo depois de ouvir o belorizontino. Sofro de pavor e paixão por todas as certezas — Vygotsky era um convicto —, e, nesta fase da vida, tenho agido como gato escaldado. Tenho medo de acreditar em coisas sedutoras, a exemplo do passar da crise, o prenúncio da nova decepção... Ainda não estou pronto para outra decepção. Claro, com toda a frieza do mundo, não que a providência se importe...

(...)

Hoje, ainda, estou pensando em tornar a compor. Esse sentimento não é tão intenso, mas é notório pela persistência. Claro, por fim, já não me sinto tão desorganizado como mencionei antes; claro, afinal, a nova palavra-de-ordem é “cautela”. Algumas coisas vêm, vão e voltam; após cada ciclo, parecem mais fortes, seja pela persistência ou pela vigilância. É também por isso que venho me sentindo velho — uma ideia que rechaço, até onde me conheço —: é que parece sobrevir certa carência de novidades, ou mesmo certo apego pelo familiar... É por essa carência que insisto em ter em mim um tanto de coisa esquisita, que vem, passa e volta. Sinto falta do que volta, do que persiste; talvez porque não resisto muito, pois ainda que consiga ser duro, não consigo deixar de ser leve. O que pesa, afinal, é aquilo que o Anjo sempre me disse, desde o começo de seus tempos; e fico voando por aí, só aceitando a verdade pelo tempo preciso para descansar...

(...)

Sei que há muito que aprender direito. (Por exemplo, ainda não aprendi a respeitar direito os clichês.) Decepciono-me comigo mesmo deveras à toa. O Anjo alerta que só me resta compreender, porque no fundo já sei; no fundo é isso mesmo de que estou farto de saber. É que compreender dá muito trabalho, ou dá muito de alguma outra coisa que deveria justificar minha incompetência. Afinal, estou cansado. Neste momento, quero dormir, mas alguma coisa tosca me impede. Acho que estou com medo do amanhã...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Fernandinha de La Plata

Pois, ontem, mais pela manhã que quando voltava pra casa, fui muito injusto com a Fernanda. É verdade que pela manhã chovia, e, naquele estado de espírito, até chuvisco era ofensa. Eu me lembro de que, noutro tempo, gostava de andar na chuva, e a única ressalva ficava por conta da visibilidade. Também naquela época eu não me preocupava com resfriado, nem com pneumonia... Hoje me preocupo com resfriados e com a roupa amassada e suja; ainda não parei para pensar no que sentirei se vier a ficar doente de verdade por estes dias. Acho que, como antes, as coisas mais graves me incomodam menos, mas creio que algo tenha mudado também nesse sentido.

Neste fim-de-semana, quando buscava a Fernanda lá de Montes Claros, não apreciei nem um pouco a estrada. Estava cumprindo meta, fazendo o que precisava ser feito, porque pior seria se não fizesse. Agi como no trabalho, talvez até com menos prazer. Foi chocante. Gosto de gostar do que costumo gostar; gostaria que todas as minhas boas paixões fossem eternas. Tudo culpa da lua. Mas já aceito melhor a minha instabilidade, apesar de precisar cuidar para que não a aceite demais, e passe a lamentar pelos momentos de calmaria. Em oposição, gosto da Fernanda ainda, mesmo que já não tanto. Está sendo difícil aceitar o caminho do meio, agora que desconfio dos lados bons das coisas. É bom passar no meio dos carros, mas ter medo de quebrar a perna é um saco.

(...)

O pessoal do trabalho ontem aceitou até bem a ideia da minha TPM, que ficou ainda mais verossímil hoje, que passou. Se perguntassem, diria hoje que estou apenas de ressaca. Se eu realmente fizer as pazes com a motoca, talvez leve adiante a ideia de viajar sem rumo, talvez até a Argentina, talvez até a Holanda. Na verdade, agora penso em conhecer o Rio de Janeiro, preferencialmente sem correr grandes riscos de ter que passar outra tarde no Tom Jobim carregando um tanto de tranqueiras. Inclusive, se for o caso, vou dar um jeito de viajar sem bagagem; talvez apenas com a mochila, revestida por dentro, de forma que eu não precise me preocupar com a chuva ou com a rede-de-amarrar-mochila-dentro-de-saco. Quero chegar e sair quando der na telha. Quero deixar o capacete no bauleto, e, se der, ter também os ombros livres. É verdade que assim fica difícil; é por isso mesmo que será preciso fazer as pazes direito com a ruivinha. Quando a gente ama, todas as cargas são leves.

Se eu ainda fosse jovem, ia querer comemorar por ter reativado o blogue. Ia começar a fazer planos, compromissos, projetos, até mandar tudo pro alto e querer passar longe daqui. Se isso ocorresse, pelo menos iria poder colocar a culpa na lua, caso eu não esteja disposto a me responsabilizar pela burrice. Isso me lembra duma colega de Montes Claros, com a qual esbarrei na noite de sábado, e que disse, noutra era geológica, que tenho baixa inteligência emocional. Ainda bem que não sou um bom guardador de rancores. Afinal, nem me lembro de qual foi a companhia aérea que me deu tão má impressão sobre aquela que um dia será, na melhor configuração de futuro, a minha querida Metrópole à beira-mar...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Lua em Sagitário

Hoje descobri que tenho a lua em Sagitário. Bem, quero dizer, não me lembro bem se era em Sagitário mesmo, e nem sequer sabia como escrever essa palavra até que veio me repreender o corretor ortográfico. Também não sei bem o que isso significa; mas, ao que parece, estou precisando de algum alento, ou no mínimo, de alguma distração. A lua vem a calhar.

Enfim, é tudo culpa da lua. Tudo assim fica explicado, límpido e esquisitamente lógico. É maravilhoso sair do abismo do nada, nem que seja com uma piada sem graça. Fui hoje surpreendido com um sentimento extremamente confuso, como jamais me ocorrera — ou, aliás, repensando um pouco mais, não faz tanto tempo assim desde meu último inferno, mas nunca antes o observei tão bem. Isso já me ocorreu diversas vezes, embora ainda não neste momento de minha vida, tão especial porque já me acostumo a assumir a responsabilidade sobre minhas coisas. Vivo num intenso momento de caos, medo e — por que não? — desespero. Venho construindo minha vida de cima para baixo, cada vez mais fundo; construí com grande esforço as paredes da minha casa sobre um alicerce emprestado. Ao que parece, terei que reconstruir tudo de novo; mas não lamento por isso. "A minha casa está onde está o meu coração; ele muda, a minha casa não."

Agora que sou mais forte, a vida é mais dura. Meu anjo me deixou de lado por uns tempos, ou, mais provavelmente, como esse pensamento já há tempos tem me sugerido, eu o deixei. Afinal, por culpa da lua, a beleza da vida sempre insistiu em me escapar, e não me é dado estar bem por muito tempo. Por culpa da lua, estou fadado a correr atrás de miragens; de mim mesmo, minha maior miragem. Nos últimos tempos julguei descobrir que não me conhecia, julgando estar me conhecendo; enfim, noutra sonsice, que também se esgotou junto comigo. Não tenho a menor ideia do que vem a ser o tal de auto-conhecimento; tenho raiva de quem o saiba. Parece que estou mais forte, pois apenas tremo perante forças que me derrubavam. Não faço a menor ideia.

(...)

Andei pensando que está chegando a hora de voltar a compor. Andei pensando muito seriamente nisso. Se me permitem a pretensão, acho que não é a hora ainda, pois jamais estive tão desorganizado. Gente desorganizada não tem hora pra nada. Pode levar dez minutos ou toda uma vida... Estou escapando da fase dos sonhos e dos devaneios cheios de fantasia. Meu sonhos têm sido reais; meus pesadelos têm sido acordado. Estou dissolvendo o absurdo do meu otimismo. Estou cada vez mais cansado do meu cansaço. Acho que isso também vai passar.

Parece que me faltam as pastilhas Tony de minha infância. Talvez me falte algum parafuso; alguma substância química dessas que os médicos vendem. Talvez me faltem convicções — embora eu não esteja convicto disso —, ou talvez me falte arte, brincadeira, mãe, companhia, alimentação certa na hora certa... Nunca me senti tão velho, e suponho que já esteja na hora de remoçar. Talvez esteja na hora de renascer. Talvez, de reencarnar...

Forçosamente, estão chegando as grandes reformas. Pois, minha vida é um arremedo das três metamorfoses de Zaratustra: quero tornar-me criança. Hoje tudo são espinhos; estou me tornando espinhento. Amanhã, quem sabe, serei um ouriço pacato e feliz. Por enquanto me arrasto como um camelo desidratado. Minha barba poeirenta se disfarça de juba.