sábado, 20 de dezembro de 2008

A Teoria do Copo

A Teoria do Copo é uma hipótese que comecei a esboçar na primavera de 2004. Trata-se de um assunto de conhecimento bastante restrito. Até, de certa forma, acostumei-me a tratar dele de forma mítica, de forma que foi anti-homeopaticamente que o mencionei na última postagem. O título, "Off-topic", foi porque eu não planejava esclarecer sobre o que dizia, até então.

Pois, às gargalhadas, simplesmente não resisti à tentação de comentar, tão logo passei por certo trecho da publicação SARTRE em 90 minutos, de Paul Strathern. O trecho é o seguinte:

Num dia de folga estava sentado bebendo coquetéis de damasco com Castor e Aron num café de Montparnasse. Sartre manifestava sua insatisfação com a filosofia — ela nunca dava conta da vida real. Aron discordava: não ouvira falar do filósofo alemão Husserl e da fenomenologia? “Veja, meu camaradinha, se você é fenomenólogo, pode falar dessa bebida e isso é filosofia.”

Mais adiante, encontrei uma excelente e instigante descrição de uma experiência semelhante a uma que eu tivera, da qual retirei algumas vagas impressões, as quais me habituei a denominar reverenciosamente de "Teoria do Copo". Obviamente, a versão do talentosíssimo Jean-Paul Sartre. O trecho abaixo, extraído da mesma obra que o anterior, faz referências ao romance A náusea, de Sartre, protagonizado por Roquentin:

Essa busca fenomenológica atinge o clímax numa passagem famosa em que Roquentin examina e “experimenta” uma raiz de castanheiro. (...) para Roquentin a particularidade do castanheiro se torna totalmente estranha e, no entanto, absorvente. “Ele não tinha mais o caráter inofensivo de uma categoria abstrata; era o visgo da realidade, essa raiz moldava-se na existência... a diversidade das coisas, sua individualidade, era apenas uma ilusão, um verniz. Esse verniz se derretera, dando lugar a uma úmida solidez, monstruosa e caótica — nua, obscena e terrivelmente nua.” (...)

Durante essa experiência, Roquentin tinha sido “nada além de consciência”. E concomitantemente a essa consciência veio a percepção do absurdo total de tudo. Porém, mais uma vez, não era uma percepção intelectual. “Esse absurdo não era nem uma idéia mental nem uma palavra proferida, mas essa longa serpente apodrecendo aos meus pés, essa serpente de madeira [i.e., a raiz de castanheiro]. Percebi que tinha descoberto a chave da existência, a chave da minha náusea, de toda a minha vida... Experimentei o absoluto: o absoluto ou o absurdo... Examinando essa grande pata bulbosa [a raiz], nem a ignorância nem o conhecimento importavam: o mundo de explicações e razões não é o da existência.” Como resultado, Sartre compreendeu: “o homem é o que ele é no tempo presente, e apenas aí ele é.” Isso teve importantes implicações para aqueles que buscavam o sentido da própria existência: “não podemos colocar a vida em perspectiva enquanto a vivemos — ela se aproxima furtivamente por trás e de repente você se vê dentro dela.”

Desde aquela minha primavera riquíssima de experiências, a Teoria do Copo tornou-se-me um ícone singular de um estado de consciência considerado ideal — indiferentemente ao absurdo. Imediatamente após a breve experiência — certamente menos profunda que a do personagem auto-biográfico de Sartre —, percebi minhas faculdades mentais se ampliarem sensivelmente, o que me foi o mais instigante. Diversas vezes minhas pesquisas filosóficas me remeteram a trabalhá-la, às vezes com resultados subjetivos fantásticos, e, na maioria, decepcionantemente passageiros. Mas sempre houve um embrião crescente, um grande auxiliar diante de minha generalizada inquietação. Vê-se, dessa forma, que minha identificação com o existencialismo não é tão recente como talvez tenha parecido.

Em tempo: o que Roquentin passou com uma raiz de castanheiro, passei com um copo americano vazio e limpo sobre uma mesa.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Off-topic

A Teoria do Copo é um estudo fenomenológico.

Marco

Existencialismo.

Aprendizado

Complementando o que aprendi num precário diálogo com Mr. Black, surge-me a distinção entre a verdade objetiva e a subjetiva. Parece que passei algumas linhas aqui tentando discutir quais delas era a melhor, ignorante da absurdez...

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Tricotomia

Tudo coisa besta, coisa muito besta. Wittgenstein, que era foda, não viu grande utilidade em seu Tractatus Logico-Philosophicus. Ele manda em mim, apesar de eu não ter visto mandamento nenhum. — Pois ele me confirma: é mesmo tudo coisa muito besta.

(...)

Já não me satisfaz a ilustração linear (ou progressiva) de minhas mudanças. Comigo ocorre como com a História: algumas coisas vão, outras ficam, outras voltam, um pouco diferentes. O que pode ser progressivo é o mais profundo, o que as descrições não alcançam. Tudo que é descritível o é por ser suficientemente superficial. Por não ser possível conhecer as profundezas, é preciso encontrar satisfação em conhecer apenas mais profundamente. E, prosseguindo com a questão do modelo de estrutura do indivíduo, temos que talvez a essência seja imutável — ou, em outras palavras, ela não satisfaz o propósito. Destarte, a essência é irrelevante. Portanto, chega de metafísica.

(...)

Um grande amigo esteve me contando sobre sua concepção tricotômica do indivíduo, com a clássica divisão de corpo, mente e espírito. Eu já havia tratado dessa questão num texto que, como vi depois, não coloquei neste blogue. É fato que eu já havia notado que esses três elementos são de certa forma interdependentes, mas vejo que essa concepção não me tinha grande valor prático, tal qual a de meu amigo se me apresentou. A idéia central, numa transposição para meus conceitos, seria que os três elementos — corpo, mente e espírito — possuem vontades independentes, ao passo em que se afetam mutuamente. No caso de que as três vontades convirjam, resultar-se-ia numa ação harmônica poderosíssima; na ausência dessa convergência, maior ou menor grau de conflito, com prejuízo da ação resultante e, especialmente, do indivíduo.

Ponto possivelmente controverso seria quanto às conseqüências práticas dessa concepção. Afinal, como se daria a harmonia entre as três forças? — Ou, ainda, mais a propósito de minha pesquisa, como seria possível atuar sobre essas forças? — Infelizmente não chegamos a discutir esse ponto sumamente importante, embora seja evidente que, nessa concepção, as ações do indivíduo devam-se orientar pelo consenso, seja este natural ou provocado. Estou acostumado a me conceber como sendo eu apenas minha mente, que obedece às ordens dos demais. E tenho suposto que meu objetivo maior seja a libertação desse eu — um eu, numa nova concepção, fracionado —, o que constitui uma explicação coerente para os violentos conflitos interiores pelos quais tenho passado. 

Embora eu pretenda defender minha autonomia como ser racional, a teoria me pareceu suficientemente consistente, a ponto de me influenciar. Na perspectiva mais conservadora, fica alerta a vigilância. Pretendo considerar a hipótese de que não me convenha impor rispidamente a vontade de parte de mim sobre o resto de mim mesmo. Alegra-me a possibilidade de resumir a maior parte do meu sofrimento num simples equívoco conceitual.

Assim falou Moko-Sotustra

"A sensibilidade é uma evolução da lucidez."

Painter Jane


Quanto mais vou esperar
Pra você dar as caras por aí?
Parece uma criança, só sai com as amiguinhas

Deixa de ser difícil assim
Por que você não sai do seu quartinho e vem pra mim?

Mas se um indie te chamar 
Para um jazz no Rayuella, você vai
Deixa a faca no meu peito e vai
Me deixa à espera de um beijo e vai
Sair com outro cara que não quer
Nada além
Apenas uma noite e nada mais

Cedo ou tarde vou lembrar
De você no seu carango por aí
Ao som de Belle & Sebastian
And you're my Painter Jane, my dear
Por que é que você não me dá o seu telefone?
Que eu te busco, e a gente se perde por aí

Mas se eu for te chamar
Prum drive-in ou para um bar você vai?
Não!
Diz que tá doente e não vai
Já fica no ausente e não vai
Desdém é o que você dá pra quem te quer
E como quer
E joga o meu amor ao Deus dará

Mas se um indie te chamar
De terninho e All-star, você vai
Deixa a faca no meu peito e vai
Me deixa à espera de um beijo e vai
Sair com outro cara que não quer
Nada além
Apenas uma noite e nada mais

Especulação Zen

É melhor viver num mundo grande ou num mundo pequeno? — Suponhamos que haja dois mundos, tal qual bem focalizam as espiritualidades orientais. Concebamos o "mundo interior" e o "mundo exterior". Talvez... — Opa! Acabei de receber a letra de Painter Jane! Esquece o resto...

Música de trabalho

(Renato Russo)

Sem trabalho eu não sou nada
Não tenho dignidade
Não sinto o meu valor
Não tenho identidade

Mas o que eu tenho é só um emprego
E um salário miserável
Eu tenho o meu ofício
Que me cansa de verdade

Tem gente que não tem nada
E outros que tem mais do que precisam
Tem gente que não quer saber de trabalhar...

Mas quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar pra casa, pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
De todo o meu cansaço
Nossa vida não é boa
E nem podemos reclamar

Sei que existe injustiça
Eu sei o que acontece
Tenho medo da polícia
Eu sei o que acontece

Se você não segue as ordens
Se você não obedece
E não suporta o sofrimento
Está destinado a miséria

Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece
Mas isso eu não aceito
Eu sei o que acontece

E quando chega o fim do dia
Eu só penso em descansar
E voltar pra casa, pros teus braços
Quem sabe esquecer um pouco
Do pouco que não temos
Quem sabe esquecer um pouco
De tudo que não sabemos

sábado, 13 de dezembro de 2008

Painter Jane

Não encontrei a letra na internet, mas é uma coisa que estou resolvendo. Estou num momento Painter Jane. Maiores informações aqui.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Mais especulação

É necessário ter objetivos? — Essa questão parece se assemelhar com a questão dos propósitos; mas, diferentemente, "objetivo" — termo originado de "objeto" — pressupõe a existência de um sujeito cognoscente. Entendamos "objetivo" como "aquilo que é desejado (pelo sujeito)". Logo, considerando que "desejo" é um substantivo originado de derivação imprópria do verbo desejar (eu desejo), verbo o qual, por sua vez, é intrinsecamente transitivo; considerando que o desejo é imprescindível para a manutenção da vida; e considerando que a vida é imprescindível para os propósitos da necessidade e do objeto, temos que é necessário ter objetivos.

Convém selecionar os objetivos? — Primariamente, "conveniente" significa "útil, proveitoso, interessante". Já o termo "selecionar" possui íntima ligação com o termo "preferir", que se guia pelo próprio conceito de conveniência, seu objetivo particular. Logo, convém selecionar (o que quer que seja).

Existem coisas impossíveis? — Impossível é o que contradiz; o que é falso. Empiricamente, é o que contradiz alguma lei verificada. Praticamente, é o que escapa dos domínios do poder. Nesses termos, existem coisas impossíveis.

É sempre possível selecionar? — Seleção pressupõe multiplicidade; logo, só é possível selecionar entre mais de uma concepção. No entanto, é prerrogativa irrevogável do sujeito cognoscente a multiplicação de suas próprias concepções. Logo, o sujeito possui o poder necessário, de forma que é sempre possível selecionar.

É possível selecionar os desejos? — Considerando que é sempre possível selecionar, é sempre possível selecionar os desejos.

É sempre possível manipular os desejos? — Considerando o que vemos ocorrer com o desejo sexual, a fome e a sede; com o risco da extrapolação, a experiência sugere que sim. Outrossim, considere-se que a multiplicação das concepções também o afirma.

Por que manipular os desejos? — Para que, diante dos obstáculos encontrados para sua satisfação, o desejo não morra. Porque sem desejo morre o sujeito.

Investigação

É imprescindível estar satisfeito? — Ainda não tenho opinião sobre isso. Mais conveniente é a resposta negativa; mais fácil, afinal. Mas vejamos...

Não pode haver satisfação em tempo integral. Algumas coisas só existem em pares com seus opostos — eis o fundo lógico do maniqueísmo. Supondo que a satisfação fosse algo permanente, seria forçoso admitir que o conceito perderia seu propósito. Isso é básico. Dessarte, temos dilematicamente uma meia-resposta: é impossível estar satisfeito o tempo todo.

Mas por que que desejo estar satisfeito o tempo todo? — Ora, mais fundamental que o problema da satisfação é o problema do desejo. Desejo é a força que impulsiona o espírito à ação — observe-se o desejo sexual, a fome e a sede; observe-se o desejo pelos bens materiais, pela vitória e pela felicidade. Na ausência do desejo temos um espírito passivo, inerte, sombrio, desprovido de tudo aquilo que qualifica a vida. Se pudermos admitir que o desejo é peça fundamental da vida, parece razoável supor que a carência do desejo cause a morte. Vivo, logo desejo; desejo, logo vivo. Mas voltemos à questão...

Considerando que o desejo é um componente necessário e desejável da vida; que a morte é inevitável; que é impossível estar satisfeito o tempo todo; e que o Paraíso é o lugar onde as três afirmações anteriores são falsas, desejo estar satisfeito porque sou ao mesmo tempo descrente e desejoso da vida eterna. Sou uma quimera.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Prece de um cristão agnóstico

Aprendizado é algo mau? — Longe de mim! Que filósofo seria eu se cresse nisso assim, brutamente? — Pois, há perniciosidade potencial em tal crença: — Suponhamos que as verdades sejam absolutas, e que às conclusões violentamente verossímeis coubesse a classificação de verdadeiras. — Então caberia um esforço colossal para a manutenção do heróico feito, ainda que a verossimilhança de então já não se impusesse como tal em decorrência do desfalecimento da outrora berrante impressão. — Pois, suponhamos assim: que a evidência imediata seja um critério suficiente-bastante para a glorificação futura, e que o que vier o pressuponha. Suponhamos, pois, assim, e assim prossigamos.

Assim se obriga a manter e justificar as possivelmente meras opiniões anteriores. Assim atribui-se à emoção — e não à evidência — o poder supremo de persuasão. Assim, com o sentimento de reverência ao fato emocionalmente relevante e em gozo do direito de abstenção, aceita-se forçosamente como definitiva uma conclusão possível-meramente momentânea. Assim a falácia deificadora obtém seu adjetivo. Assim nasce um dogma, o que possível-infelizmente afasta o filósofo do cristianismo, ao qual seria mais fácil servir estando-se isento da influência destarte nefasta da dita Santa Igreja Católica, além doutras ditas autoridades cristãs menos relevantes (para mim).

Sinto que ainda desenvolverei muito-mais-profundamente minha fé; mas, queira Deus — se é que existe —, eu não me renda à religiosidade comum das verdades indiscutíveis. Seja Deus recorrentemente evidente. Deus, se existe, entenderá minha prece; se existe e não a entende, — e com todo o respeito que lhe caiba — que ele se foda assim como eu. Amém.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Propósito

Será preciso ter princípios? Pois, tê-los talvez seja simplesmente útil. "Preciso"... Será, pois, que a Moral está assim tão pressuposta em meus conceitos a ponto de que eu simplesmente me deixe levar por ela? Afinal, persiste em minhas reflexões a idéia de precisão, necessidade; menos como imperativo de sobrevivência que como dever, obrigação; como uma conseqüência fatal de algum pressuposto indizível. Ter princípios para quê?

Eu me lembro com certa clareza de quando me tomou forma o problema dos princípios. Estava num bar a que costumava freqüentar, assistindo à apresentação de um músico que bem pode não ser o que me vêm à mente neste momento. Em decorrência de algum gesto seu — o qual, em si, não me foi relevante —, me sobreveio a certeza de que a gente — "o povo", "a sociedade", "eles" — deseja a quem tem princípios. Sabe-se lá se não teria sido eu quem os desejava ter. Mas, enfim, passou-me a impressão de que, tendo princípios — ainda que fossem princípios incertos, discutíveis, idióticos;  mas se eu os tivesse —, teria a chance de ser amado, como eu não era, como não sou. Minha busca por princípios teve origem utilitarista; talvez um flerte, um desvio de caráter por ocasião de algum sofrimento demasiado.

Disciplina é uma virtude que não tenho tido. E talvez seja o que mais me falte para que eu consiga suportar a vida de dúvida, o meu caminho evidente. Minha dúvida é fatalística; ao passo que, ao contrário do que tenha proposto Humberto Gessinger, ter certeza não me parece em nada ser inútil. Acontece que a pureza infantil — ou, talvez melhor,  o gozo infantil —, o que enfim almejo, sofre as objeções naturais do mundo civilizador, do qual ainda dependo, e justamente para obter o objeto do meu desejo.

Então talvez a solidão seja o meu melhor caminho. Talvez a fé em mim mesmo — apenas em mim mesmo. Mas não me parece ser possível ter fé na dúvida. Quem tenha dito ter aceitado sua dúvida converteu-a num dogma, num princípio, numa certeza. E talvez também se declare feliz. Pois, ao que parece, meu caminho não me levará à felicidade. Meu caminho não é o que desejo, nem me trará a paz. Fatalmente e apenas, meu caminho é o que sou. Meu caminho, afinal, é o meu propósito. Amém.

Cristianismo

O amor suscita ao que a moral obriga.

Metafísica

Propósito é pressuposto da existência.