segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Apologia da etiqueta

Gosto de coisas bem-feitas, ainda que não o pareçam à maioria. Gosto de coisas sinceras, mesmo que sejam mentiras (lembrando da afirmação do Cazuza). Quase não me interesso por política, mas freqüentemente tenho me deixado fascinar por marketing. Até lamento por não ter observado melhor a campanha de Leonardo Quintão, pois, se eu o tivesse feito, certamente me teria sido mais interessante assistir à paródia encenada pelo Tom Cavalcanti. De qualquer forma, alegra-me a eleição do Márcio, pois tenho por ele algum sentimento simpático parecido com o que sempre tive em relação a José Serra (que talvez tenha tido a mesma orientação marqueteira). Gosto de aparências, que, bem barbeadas e penteadas, não deixam de ser formas de arte.

Digo isso a propósito da Malu, que vejo que mais me surpreendeu por parecer boa. Ela consegue ao mesmo tempo parecer e ser (preciso ressaltar). Não deixo de ter também certo sentimento de lamentação pelo fato de ela não se esforçar tanto pela aparência nas execuções ao-vivo. Chega a me sugerir que seja uma musicista de estúdio, como a Adriana Calcanhotto (segundo a vi dizer em uma entrevista), embora sem aquele pavor pelas gravações ao-vivo. Certo tempo atrás, cheguei a estar certo de que só conhecemos a qualidade de um músico quando lhe assistimos ao-vivo. Pensando assim, a Legião Urbana perdeu comigo alguns pontos — o inverso do que ocorreu com o Barão Vermelho, a que assisti numa edição do Pop Rock Brasil com meu pai. Já não sou tão radical nessa questão, mas ainda não desisti por inteiro da hipótese. É realmente engraçado como alguns músicos parecem desdenhar a apresentação ao-vivo, ao julgar pelo decaimento da qualidade. Suponho que isso se deva a alguma instabilidade artística; a alguma dependência de alguma coisa contingente, que precise de algum estímulo paciente e talvez solitário, que melhor combine com o estúdio que com a correria do palco. Há também outros elementos possíveis, tais quais o entorpecimento causado pelo álcool ou por outras drogas, a qualidade técnica do equipamento e das instalações, o nervosismo (menos provável) e, pelo outro lado, a tranqüilidade e o estojo de maquiagem que se encontram em todo estúdio. São, todos, efeitos dignos de nota e certamente incidentes, mas não me parecem suficientes para justificar a tão grande diferença de qualidade que se mostram em alguns casos, como ocorre com a Malu ainda mais que com a Adriana.

Quero ter a oportunidade de assistir a uma apresentação intimista da Malu. Não me refiro ao intimismo do ponto de vista estritamente musical, mas quanto ao estado de espírito. Pode ser que ela cantasse mesmo Retrato Perfeito nessa ocasião. Mas eu gostaria de assistir a um estado de espírito como o que acredito presenciar ao ouvir Filos, na gravação em estúdio. Até fico incomodado ao sugerir uma comparação com esta versão ao vivo. Sei que já havia mencionado essa questão noutra ocasião, com a música Retrato Perfeito, que conheci logo em duas versões no PalcoMP3; mas desta vez não estou falando como fã (embora também não faça nenhum esforço para o dissimular), mas como crítico, como filósofo-de-bar. O propósito deste texto é tratar da aparência, sobretudo. Afasta de mim a afirmação de que a Malu apenas parece! Mas é também fascinante como a mesma Malu é alternativamente cautelosa ou negligente.

Faço aqui uma apologia da estética — aliás, da etiqueta —, em detrimento da ética. E não me parece demais afirmar que entre a ética e a etiqueta, esta é a mais naturalmente artística.

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