quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Comentários aleatórios

Então, uma coisa muito agradável que me acontece com Dostoiévski é a hora de parar: simplesmente começo a pensar e paro. Sempre é por conta de alguma coisa de suma importância em minha vida que é suscitada, mesmo que não tenha nenhuma ligação aparente com o que acontece com Raskólnikov. (Talvez haja um limite na quantidade de alguma coisa a que meu espírito é capaz de suportar, além de que é ativado algum mecanismo de restabelecimento...) Hoje, por exemplo, estava decidido a terminar o livro, mas, num momento aparentemente qualquer, no meio dum parágrafo, me deparo subitamente com alguma coisa do meu cotidiano, com o que me prendo por mais de uma hora. E fiquei feliz por ter imediatamente abandonado o livro sobre a mesa, pois sabia que já era a minha hora, a da minha própria vida, a do meu próprio cotidiano; que dificilmente voltaria a ser a hora dos problemas do protagonista de Crime e Castigo. Desta vez, a nenhuma "grande conclusão" cheguei; fiquei feliz, assim, apenas divagando, pensando em alguns breves diálogos que tive hoje por meio de mensagens instantâneas, ao som da minha própria composição — aquela de que mais gosto — cantada por mim mesmo e devidamente arranjada, como só em pensamento seria possível. Mais tarde, de livro ainda fechado, quando senti que era a hora de ir-me embora não me fiz de rogado: apenas vesti o capacete e vim. Desta vez não foi nem o enfado nem o entusiasmo o que me moveu, mas a simples vontade; tudo muito leve e natural. Talvez uma conseqüência da "abolição dos princípios"...

Meu lance com Raskólnikov aos poucos vou entendendo melhor. A tensão se desintensifica; permanece aquilo que há de mais sincero — o que raramente é o mais emocionante. Fica-me, então, mais claro aquilo de que eu já suspeitava há cerca de uma semana, quando a leitura estava ainda mais ardente... — Também, pudera!, naquela época o sentimento do próprio Rodion era mais intenso e, assim, mais havia na fonte de que eu me deixava voluntariamente contaminar. É muito mais tranqüilo agora, quando já se aproxima o final, o qual conheci já há alguns anos (embora numa tradução triplamente indireta: russo—francês—português—mosaico); afinal, ainda, não deixa de haver certa esperança de que nem tudo esteja perdido, muito embora as mesmas perspectivas redentoras já tenham sido consideradas desgraçadas noutro tempo... Resta a mensagem sobre os apesares; sobre o que pode ainda haver de bom... Resta o recurso da própria vida, cujo valor é a priori, independente das circunstâncias... Assim, como se caso houvesse duas pessoas que se tivessem decidido ao suicídio, a primeira fã do Aquaman e a segunda do Spiderman, seria óbvio que esta escolheria o prédio e aquela ao mar. — A proposito, la vita è bella!...

No trabalho foi também um dia especial. Com as ferramentas de que disponho hoje, seria muito difícil (e até mesmo injusto) mensurar minha "produtividade" de horas atrás. Isso porque, creio, essas ferramentas sejam convenientes para comparar máquinas. — Aliás, é também sobre isso minha mais agradável conclusão de hoje, que eu formava enquanto descia as escadas do prédio rumo ao bar e ao Dostoiévski:  "A função mais humana que existe é a do palpiteiro." Eis o que quero ser quando crescer!... É o que fui hoje, quase bem o suficiente: bem quase a ponto de não me sentir culpado por não ter sido, como de costume, uma boa máquina.

Um comentário:

  1. Ótimo comentário, interessante a forma em que aborda os assuntos da vida. Ainda não tinha visitado seu blogger. INCRÍVEL. Abraços.

    Arley Ronan

    ResponderExcluir