segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Tricotomia

Tudo coisa besta, coisa muito besta. Wittgenstein, que era foda, não viu grande utilidade em seu Tractatus Logico-Philosophicus. Ele manda em mim, apesar de eu não ter visto mandamento nenhum. — Pois ele me confirma: é mesmo tudo coisa muito besta.

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Já não me satisfaz a ilustração linear (ou progressiva) de minhas mudanças. Comigo ocorre como com a História: algumas coisas vão, outras ficam, outras voltam, um pouco diferentes. O que pode ser progressivo é o mais profundo, o que as descrições não alcançam. Tudo que é descritível o é por ser suficientemente superficial. Por não ser possível conhecer as profundezas, é preciso encontrar satisfação em conhecer apenas mais profundamente. E, prosseguindo com a questão do modelo de estrutura do indivíduo, temos que talvez a essência seja imutável — ou, em outras palavras, ela não satisfaz o propósito. Destarte, a essência é irrelevante. Portanto, chega de metafísica.

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Um grande amigo esteve me contando sobre sua concepção tricotômica do indivíduo, com a clássica divisão de corpo, mente e espírito. Eu já havia tratado dessa questão num texto que, como vi depois, não coloquei neste blogue. É fato que eu já havia notado que esses três elementos são de certa forma interdependentes, mas vejo que essa concepção não me tinha grande valor prático, tal qual a de meu amigo se me apresentou. A idéia central, numa transposição para meus conceitos, seria que os três elementos — corpo, mente e espírito — possuem vontades independentes, ao passo em que se afetam mutuamente. No caso de que as três vontades convirjam, resultar-se-ia numa ação harmônica poderosíssima; na ausência dessa convergência, maior ou menor grau de conflito, com prejuízo da ação resultante e, especialmente, do indivíduo.

Ponto possivelmente controverso seria quanto às conseqüências práticas dessa concepção. Afinal, como se daria a harmonia entre as três forças? — Ou, ainda, mais a propósito de minha pesquisa, como seria possível atuar sobre essas forças? — Infelizmente não chegamos a discutir esse ponto sumamente importante, embora seja evidente que, nessa concepção, as ações do indivíduo devam-se orientar pelo consenso, seja este natural ou provocado. Estou acostumado a me conceber como sendo eu apenas minha mente, que obedece às ordens dos demais. E tenho suposto que meu objetivo maior seja a libertação desse eu — um eu, numa nova concepção, fracionado —, o que constitui uma explicação coerente para os violentos conflitos interiores pelos quais tenho passado. 

Embora eu pretenda defender minha autonomia como ser racional, a teoria me pareceu suficientemente consistente, a ponto de me influenciar. Na perspectiva mais conservadora, fica alerta a vigilância. Pretendo considerar a hipótese de que não me convenha impor rispidamente a vontade de parte de mim sobre o resto de mim mesmo. Alegra-me a possibilidade de resumir a maior parte do meu sofrimento num simples equívoco conceitual.

3 comentários:

  1. Suponhamos que você seja agnóstico, ateu ou whatever.. Descaratanso-se o Espírito do tríptico supra-citado, ainda sobram Corpo e Mente. Na Teoria Psicanalítica, temos a Mente desdobrando-se em três (Id, Ego e Superego), sendo o Ego, a meu ver, o equivalente da Mente na sua concepção, ainda restam Id (O Inconsciente, Subconsciente ou whatever...) e o Superego (ou a Consciência Coletiva) atuando sobre o Ente, Soma, Corpo ou whatever... O que quer dizer que o seu Eu não é completamente sujeito à sua Mente (Ego). Isso é uma teoria bastante aceita. Há outras. Que também são "racionalmente aceitáveis". Ou seja, você e eu e todo mundo, tem que, de fato, ficar vigilante. Os equívocos conceituais não são exclusividade leksiana. Todos nós ainda temos muito a investigar. O primeiro passo é a consciência do nosso "atraso". E isso, acredito que eu e você já temos...

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  2. "Já não me satisfaz a ilustração linear (ou progressiva) de minhas mudanças. Comigo ocorre como com a História: algumas coisas vão, outras ficam, outras voltam, um pouco diferentes. .. E, prosseguindo com a questão do modelo de estrutura do indivíduo, temos que talvez a essência seja imutável — ou, em outras palavras, ela não satisfaz o propósito".
    Gostei profundamente desta parte...ultimamente vejo que é muito díficil uma mudança significativa, já as superficiais... Talvez, meu caro amigo este nem sejam o ponto essencial deste texto, mas esta parte me tocou bastante... Suas observações são sempre significativas pra mim. Grande abraço Catarina

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  3. Bom texto! Agora, confesso que ao ver o título pensei em outro tipo de tricotomia e achei que fosse algo relacionado à Cirurgia! XD

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